Coletivos do Brasil: 1010

Originário da capital mineira, o coletivo 1010 (grafado 101Ø) busca incansavelmente expandir o desenvolvimento da cena nacional para além do eixo Rio-São Paulo. O coletivo é gerido por cinco sócios, todos com objetivos similares, baseados em criar um espaço plural e apoiar o desenvolvimento da comunidade a sua volta.

Contando com 11 residentes, divididos entre DJs e performers, a 101Ø luta pelo desenvolvimento da cultura urbana desde seu primeiro dia. Em 2015, o projeto teve início com festas de rua e hoje é referência não só para a cena brasileira, mas para o mundo todo, marcando presença em projetos como Boiler Room e seus residentes atuando em eventos renomados mundo afora, como o festival Dekmantel e noites no Berghain, em Berlim.

Com o próximo evento marcado para o dia 21 de abril de 2023, o coletivo traz grandes nomes da cena nacional, como os residentes Omoloko e Young Clubber, e a canadense Jayda G.

Foto: Reprodução

Tivemos a oportunidade de conversar com Arthur Cobat, um dos sócios do coletivo. Confira:

WiR: Conte um pouco de como começou o coletivo.

Arthur Cobat: Hmm… Essa história é longa! A gente começou em 2015, eu ainda não fazia parte da 101Ø. Começou com o Omoloko, a Bela e mais três amigos. O nome 1010 vem do apartamento onde eles moravam, todos eram artistas ou produtores de evento, então primeiro começou com festas para pagar o apartamento, e depois viraram festas na rua, de ocupação. E depois as festas foram crescendo demais; e quando a festas cresce, as responsabilidades também crescem. Então de 2015 para cá, foi crescendo muito rápido. Foram 3 movimentos que conseguiram se destacar muito rápido, tanto a 101Ø, quanto a Masterplano e a Mientras foram coletivos que conseguiram se destacar entre os coletivos do Brasil. Falo isso por que conseguimos criar uma identidade muito forte aqui na cena de BH. O início é esse.

WiR: O que motivou a criação do coletivo?

AC: A maior motivação nossa é que todo mundo sempre foi artista e todo mundo ali, pelo menos na 101Ø, vive 100% da 101Ø. Tanto os DJs quanto os produtores, todos os residentes da vivem 100% disso, e abrangemos vários tipos de pessoas nesse meio. Temos pessoas pretas, travestis, cada um vem de uma realidade que a gente quer mudar através da música, de onde cada história dessa veio. Então acho que essa é a nossa maior motivação! E é muito engraçado que todo mundo tem essa vontade artística de crescer, só que cada um tem uma coisa mais específica, uma peculiaridade que meio que dá um gás para todo mundo, tanto para mim, que sou produtor, que sempre quis trabalhar com eventos e festivais; quanto para a Leona, que sonha em ser cantora, quanto para o meu irmão. Então temos muitas motivações específicas, só que com uma proposta e um final parecidos, que é mostrar que é possível ter uma mudança através desse mundo artístico que a gente vive.

WiR: Quais são os principais desafios na execução do projeto?

AC: Nós chegamos em um ponto hoje que a 101Ø tem muitos acessos, posso falar que hoje não precisamos de nenhuma festa ou alguém de São Paulo para ter acesso a bookings, a estrutura. Chega muita proposta de artistas internacionais. Agora, por exemplo, vamos trazer a Jayda G, que é uma grande maluquice, por que ela é muito cara e nunca tivemos um lucro de fato. Um lucro que a gente consiga manter e investir de fato na festa.

A gente sempre arriscou e deu muito certo. Sempre arriscamos muito alto. Deu muito errado por muito tempo, mas também deu muito certo! Então acho que hoje o principal desafio é a gente tentar ter um investidor. Porque ninguém ali da 101Ø é herdeiro, ninguém tem outro trabalho. Se der prejuízo em uma festa, nós não vamos pagar as nossas contas do mês e, dependendo do prejuízo, serão vários meses!

Hoje também estamos sem nenhum patrocínio. Para conseguirmos um patrocínio hoje para uma festa do tamanho da nossa é sempre aquele meio do caminho, porque a 101Ø não é aquela festa que 5 ou 10 mil pessoas de público, mas ela também tem uma relevância muito forte de identidade das pessoas que participam, do que a gente movimenta, das festas que a gente faz, sabe. Desde fazer parceria como Brasil Grime Show, até a gente inserir artistas de rap, de fortalecer essa cultura urbana musical. Então nós temos uma imagem forte, mas essa imagem forte para quem vê de fora, não é tão forte financeiramente. E acho que esse é o maior desafio para a gente hoje.

WiR: Como cada membro agregou para trazer esse plano para vida real?

AC: Posso dizer que a festa é o Omoloko, que é meu irmão, que está aqui, inclusive! Nós moramos juntos, é quase um empreendimento familiar, por que temos nos dois que somos irmão! Tem a Isabela e a Bárbara que são gêmeas e uma amiga nossa, Matuca. Somos nós 5 que decidimos tudo e fazemos todos os corres. Nossa curadoria dá muito certo, porque temos objetivos muito parecidos.

Então posso dizer que somos nós 5 na produção e temos mais 11 residentes, tanto DJs, quanto performers. Temos o Young Clubber que mora em São Paulo, ou seja, não precisa estar necessariamente aqui. A Aya Ibeji também é de São Paulo. Foram conexões que fomos fazendo, não foi algo muito estratégico. Foram vários amigos que convidamos.

E fazemos um rodízio entre os residentes. Dependendo da festa, a gente vê quem encaixa mais. Mas na parte de logística e produção somos nós 5!

WiR: Quais os momentos mais marcantes na vida do coletivo?

AC: Nossa… tivemos alguns! Tivemos alguns bem pesados, mas o que me marcou muito foi uma vez que nossa festa foi embargada por conta de uma denúncia e nós conseguimos mudar tudo da festa para outro local em 40 minutos. Foi muito engraçado por que a fila estava virando o quarteirão e o pessoal que estava nela começou a ajudar a gente a pegar o material e a colocar dentro dos próprios carros para levar até o outro lugar; foi tudo na base da confiança por que já estava tudo perdido mesmo. Quando estávamos colocando as coisas no carro, eu achei que tomaríamos um prejuízo homérico, mas foi um milagre porque não deu prejuízo!

Outra festa que marcou foi a Boiler Room, que colocou a 101Ø em outro patamar. Eu ficava indignado porque era tudo sempre em São Paulo ou Rio de Janeiro. Aí eu fui no LinkedIn, digitei “Diretor do Boiler Room”, encontrei quem era essa pessoa, fui no Instagram dessa pessoa e mandei uma mensagem, sem esperar que fosse ser respondido. E ele respondeu falando que tinha surgido uma vaga para a gente gravar um Boiler Room aqui e eu disse, “vamos fazer”! Ele disse que precisava de X mil dólares, e eu topei na hora, mas eu não tinha um centavo (risos). Escrevi o projeto em 2 ou 3 semanas, mandei para a Ambev, a Becks tinha acabado de chegar aqui no Brasil. E assim conseguimos fazer o primeiro Boiler Room de Belo Horizonte.

Tem uma muito especial também, que é muito local! A nossa sócia Isabela estava garimpando vinil e achou um disco de uma DJ mulher que tinha sido prensado aqui em BH. Ela me mostrou e me perguntou se eu já tinha visto esse vinil dessa mulher e resolvemos perguntar a um amigo nosso, que nos disse que a DJ Valéria havia sido a primeira DJ mulher de Belo Horizonte. Então resolvemos procurá-la para tocar em uma festa nossa.

Ela não tocava há 20 anos, mas topou fazer este set único. Nessa festa, movimentamos apenas artistas locais e a festa deu sold-out. Foi incrível, mas depois pedimos para a DJ Valéria gravar um set para nosso SoundCloud e ela negou, dizendo que nunca mais queria aquilo.

WiR: Quais as metas para o coletivo?

AC: A nossa próxima meta é o festival! Nós queremos transformar isso em um festival e criar de fato a nossa agência artística. Aqui em Belo Horizonte temos muitos artistas e muitos DJs muito bons e precisamos com urgência chegar nesse ponto onde temos uma agência para cuidar desses artistas, não só nosso residentes. E conseguir um investidor pelo amor de deus para bancar nossas ideias! (Risos)

WiR: Quais coletivos vocês têm como referência dentro da cena?

AC: Eu acho que a Gop Tun foi um coletivo que ensinou muito para a gente. Eles já estavam há mais tempo em um nível de entendimento de mercado e sempre foram muito honestos e solícitos com a gente, colocando a gente em contato com patrocinadores, mostrando para a gente como fazer evento. Eu acho que o showcase da Gop Tun que nós fizemos aqui mudou; ajudou a gente a fazer a festa mais comercial no sentido de tornar a festa mais rentável.

A gente também uma ligação muito forte com os coletivos do Rio Grande do Sul, como a Arruaça. E também temos proximidade com o pessoal da Festa até as 4, no Rio. A Eli Iwasa também foi muito importante na nossa história, uma grande amiga mesmo.

E o Dani Souto, da Discoteca Odara de Curitiba. O Dani é nosso vovô! Ele foi a primeira pessoa que inseriu a gente nesses meios internacionais. Que chegou para mim e ficou horas conversando comigo sobre como as coisas acontecem na cena aqui no Brasil. Então eu falo que ele foi meu oráculo.

WiR: Como vocês percebem a cena nacional?

AC: Eu tenho uma ambição enorme com a cena eletrônica nacional. Eu venho do nordeste, então eu sempre tive que juntar dinheiro para ver as coisas que eu gostava no sudeste. Então isso sempre cria uma necessidade de estar ali. E aqui no Brasil a gente também tem essa mania de achar que precisa sair, que precisa do gringo, que precisa de estar fora para conseguir ver os melhores DJs e festivais. E agora eu estou finalmente vendo a cena eletrônica brasileira, por mais lenta que seja, conseguindo uma auto suficiência. A gente tem que começar a pensar em termos os nossos próprios festivais!

Isso começou na pandemia, com a crise que passamos, as festas começaram a investir em line-ups com artistas nacionais por conta da alta do dólar e da crise! Com isso, naquela retomada dos eventos pós-pandemia, percebemos que era possível lotar as festas com artistas locais. Eu estou sentindo isso muito forte agora, principalmente com os DJs de funk, como Vhoor e Muzão, a chamada música eletrônica “periférica”. Isso sempre foi a música eletrônica, só que era uma música eletrônica que sofria muito preconceito no nosso meio. Agora que estamos começando a desvincular essa coisa elitista com a música eletrônica no Brasil.

Então eu tenho uma ambição de fazer com que a música eletrônica, principalmente aqui em BH, seja vista como um ponto turístico. Quando você diz que precisa ir para um país para curtir música eletrônica, você pensa na Alemanha, em Amsterdã, Londres. Eu quero que isso aconteça com o Brasil, como acontece com o carnaval. Que vire algo tão forte que traga investimento e que vire cultura de fato, com o governo enxergando a gente com um fim lucrativo. E acho que em uns 10 anos isso vai acontecer. Um exemplo foi o festival da Batekoo.

A gente também tem uma mania aqui no Brasil de achar que só um coletivo, só um DJ ou só uma festa vão fazer com que a gente cresça, e não é sobre isso. Uma coisa que sempre me irrita é quando saem matérias em sites gringos falando só sobre a cena de São Paulo, então fica parecendo que só existe coisa lá. Isso, para um país com nosso tamanho é medíocre. Imagina se a gente divulgasse as cenas de cada parte do país?

Isso de focar em um só lugar enfraquece, e não conseguimos furar essa bolha e mostras que a gente tem coisas muito maiores que aquilo. Como você vai atrair o pessoal gringo mostrando uma única opção de roteiro? Mostrando só isso na matéria. Temos que estimular o pessoal a querer ir para outros estados também, como fazemos quando vamos para fora.

Maria E. Pisani

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Maria E. Pisani

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