Coletivos do Brasil: 1992

Criado em 2019, como ramificação de outro coletivo de Fortaleza, a 1992 surgiu com o intuito de diversificar a cena local, trazendo para a região um pouco do que estava acontecendo no resto do país. O coletivo abriu as portas para a noite cearense começar a se desenvolver, agregando grandes nomes aos eventos locais.

A preocupação com o desenvolvimento local vai além de produzir eventos. A 1992 também assumiu grande papel na fomentação da cultura musical, criando espaços para formação de novos DJs e produtores na cidade. Com isso, a 1992 se mostra grande aliada na busca pela expansão da cena nacional para além do eixo Rio-São Paulo, criando espaços para que novos públicos tenham contato com a música eletrônica em todas as suas dimensões.

Conversamos com Kysia Stockmayer, fundadora do coletivo, sobre a trajetória da 1992 e os planos para o futuro. Confira:

WiR: Conte um pouco como começou o coletivo.

Kysia: A 1992 surgiu em 2019, na real esse não foi o meu primeiro coletivo. Em 2018 tinha um coletivo chamado Eletrogeras, o qual se ramificou em vários outros coletivos que são atuantes na cena agora em Fortaleza, como a Trita, Eletronika Sessions e a 1992. Quem fundou o coletivo foi eu uma outra pessoa que fazia parte desse coletivo. A gente frequentava todos os eventos que aconteciam em Fortaleza e sentimos uma necessidade de renovar um pouco a cena e trazer um som diferente do que a gente via nas festas, que na maioria das vezes eram produzidas pela galera mais um old school… Com todo o respeito com a galera que trabalhava antes da gente, mas sentíamos uma necessidade fazer uma coisa diferente do que estava sendo feito em Fortaleza. E essa vontade sempre existiu desde a época do Eletrogeras, lá em 2018.

Desde setembro de 2019, a gente vem produzindo alguns eventos, desde antes da pandemia, para um público muito pequeno, coisa de 150 pessoas, como na maioria das festas mais underground de Fortaleza, que tem um público mais reduzido mesmo. Não é algo fácil de vender na cidade, mesmo os eventos maiores e um pouco mais comerciais. E aí veio a pandemia, na época que a gente estava a se reestruturar… Vimos a necessidade de chamar outros DJs para trazer sons mais diversificados… outras pessoas… outras vertentes que a gente gostava e com pessoas que também não tinham muito espaço na cena.

Na época, nós lançamos também a nossa campanha, a gente já estava construindo um merchandising da nossa festa, bem no início da pandemia. Aí, junto com uma marca local, tivemos a ideia de fazer camisetas para vender e arrecadar um dinheiro para ajudar com aluguel de algum lugar, para alugar equipamentos, com o custo para transporte e tudo mais para alunos LGBTQI+. Nós vendemos as camisetas e agora elas estão espalhadas no mundo inteiro. As pessoas usam até hoje, marcam a gente e tudo mais! Foi a nossa primeira coleção e em breve teremos a segunda, já está tudo pronto, falta só ajeitar o lançamento. E isso foi super importante, porque desse custo saíram muitos DJs que hoje estão arrasando na cena local. A 1992 é algo que pode até ser um pouco para mim, de poder estar realizando algo na cena. Mas a 1992 é algo para Fortaleza, para a cena mesmo! Porque antes do coletivo eu já tinha tocado em todos os eventos de grande porte, que o meu som se encaixava ali, mas eu já estava sentindo a necessidade de algo novo. Eu gosto de dizer que a 1992 é uma grande escola, nós estamos sempre renovando, pois temos muitos artistas que quiserem seguir o ramo ou outro caminho parecido, mas que até hoje a gente tem por perto. Estamos sempre chamando alguém que quer ser DJ ou produtor cultural. Da 1992 saíram ótimos produtores culturais… E a gente sempre chama pessoas que querem agregar e participar, pois algo que eu preciso na 1992 são pessoas com energia para trabalhar com a gente, porque é quase algo filantrópico, pois ganhar dinheiro com o underground em Fortaleza é algo muito difícil.

WiR: O que motivou a criação do coletivo?

Kysia: Eu já tocava havia um tempo, já tinha tocado em outros eventos pelo Brasil e eu sempre ia para esses eventos e para esses festivais, tipo, Time Warp, Gop Tun e tudo mais, e eu vivia essa coisa e falava: “poxa, eu quero construir isso de onde eu vim, na minha cidade, onde eu cresci, onde eu me descobri como DJ”. Apesar de ser uma cena pequena, eu sempre vivi muita coisa em Fortaleza e me perguntava o por que eu não poderia viver tudo isso que eu vivi, aqui em Fortaleza. Então eu sempre tive vontade de fazer as coisas que eu curtia em outros lugares, na minha cidade.

LEIA TAMBÉM: Coletivos do Brasil: Gop Tun

WiR: Quais são os principais desafios na execução do projeto?

Kysia: São duas coisas só, mas são duas coisas que mais atravessam a gente. É o financeiro, afinal nós somos artistas e de onde a gente vai tirar dinheiro!? Por que querendo ou não requer um valor inicial para pagar um local, uma atração, um flyer da festa… Então é muito difícil, é na verdade o principal. Por que não temos nenhum patrocínio, nenhuma cerveja ou bebida da um patrocínio para a gente. Por mais que tenhamos uma estrutura legal, um projeto legal, ninguém da um dinheiro para poder elevar a marca no nosso evento. Essa é principal dificuldade de qualquer produtor de eventos no Ceará. Outra dificuldade é a questão de locais para evento, pois não temos muitas opções de lugares. Muitos clubes no Ceará preferem apostar em projetos mais comerciais, como o Pop e Funk, mas nós já conseguimos uma brecha depois de implorar. Mesmo que seja para alugar, sai um absurdo de caro e um pouco fora da nossa realidade.

WiR: Como cada membro agregou para trazer esse plano para a vida real?

Kysia: Eu como produtora, professora, social media, designer, DJ, curadora, filmmaker, fotógrafa e tudo mais, atualmente sou a pessoa que toma a maior parte das decisões, mas tenho uma outra pessoa que trabalha como produtora cultural nossa, o Agá. Ele trabalhou muitos anos com um grande DJ que fez parte da cena chamado Márcio Motor e tem essas vivências de eventos e tal, sempre acompanhava o Motor na época e tudo mais. Ele tinha experiência como produtor cultural também, e a gente sempre meio que trabalhou juntos, então cheguei pra ele e disse “olha, não consigo mais fazer tudo sozinha, apesar do coletivo ter pessoas, mas elas fazem o que elas podem, eu não posso exigir mais do que elas oferecem, então se você estiver interessado…” e ele topou, disse que amava o coletivo. Então eu e ele que tomamos as rédeas, até a parte financeira e tudo mais. E recentemente chegou a Si Gomes, que é uma artista visual incrível e DJ também. Ela que chegou na gente e disse pra fazermos uma collab, trabalhar juntos, então essa parte de gerenciamento fica entre a gente por enquanto. E tem outros DJs que estão próximos da gente e sempre mostram essa vontade de aprender e agregar. Além do curso de formação de DJs que fizemos, eu dou aulas de mixagem e tudo mais, então eu meio que sou a “mommy” do rolê assim, de pegar pelo braço e dizer “vem cá, vamos aprender, vamos fazer”. Eu tive uma mudança repentina que acabei vindo para Brasília trabalhar em um club e a gente deixou o projeto em stand by, mas temos muita coisa ainda esse ano, inclusive o novo merchan em colaboração com o Naiche, da Tijolo Records, que muita gente está pedindo.

WiR: Quais foram os momentos mais marcantes da vida do coletivo?

Kysia: Quando a gente pôde voltar com os eventos, de fato, porque em 2020 e 2021 ainda eram aqueles eventos menores, com restrições e tudo mais. Acho que ano passado foi um dos momentos mais marcantes da história da 1992. A gente teve nossa primeira atração internacional que foi o Aerobica, foi a primeira vez que eles fizeram turnê no Brasil. Eu já tinha esse contato com os meninos que conheci através de uma label do Brooklin e a gente sempre manteve esse contato pela internet, então quando houve a possibilidade de fazer essa tour pelo Brasil eu já falei pra eles virem para Fortaleza que a gente dava um jeito. E essa foi uma das nossas maiores edições, a gente fez open air, fomos muito corajosos porque era uma época de chuva em Fortaleza. Choveu, mas foi só uns 10 minutinhos no fim do rolê, então o pessoal nem se importou muito. Fizemos também um festival ano passado com três pistas, uma pista open air de rap, uma pista de funk e uma pista de eletrônico acontecendo simultaneamente. Foi muito legal, tivemos o FEBEM, teve o Young Clubber tocando com a gente, artistas como o Perímetrurbano e LAB85 que são artistas do rap de Fortaleza que a gente sempre quis ter nos nossos eventos mas não tinha como encaixar no line up eletrônico. E no nosso aniversário fizemos uma edição open air, foi em setembro que também é o mês de aniversário do Omoloko, que foi a atração da festa. Ele tinha acabado de voltar da europa, foi a primeira gig dele no Brasil depois da tour.

WiR: Metas com o coletivo (quais artistas querem trazer, quais eventos querem produzir)?

Kysia: Meu sonho é poder ter a oportunidade de trazer alguns artistas que a gente gosta muito, mas não só para nossos eventos, e sim fazer na rua, sabe? A gente já fez algumas edições na rua com nossos DJs residentes, mas é um sonho poder trazer outros artistas que admiramos. E nosso plano é poder monetizar o coletivo para proporcionar essas experiências para além da nossa bolha. Então nossa meta no momento é fazer alguma festa na rua e chamar algum dos artistas que estamos de olho e temos uma certa proximidade.

WiR: Coletivos referências dentro da cena?

Kysia: A gente admira muito o trabalho da Bateu, sempre indicamos eles quando pedem referências pelo fato deles saberem como produzir um evento, sabe? A identidade e a parte sonora do rolê não tem tanto a ver com a gente, mas em termos de realização dos projetos e a parte operacional, eles são uma referência para nós.

WiR: Como vocês percebem a cena nacional?

Kysia: Acho que a cena nacional ainda tem muito o que desconstruir, porque sinto que a coisa ainda está centrada em São Paulo e sinto que às vezes as pessoas não olham pra gente, sabe? Muitas pessoas já me confundiram com alguém de Recife, ou confundiram a 1992 com qualquer outro coletivo do nordeste e eu acho que as coisas nem são tão difíceis para você estar por dentro do que rola fora de São Paulo. E por mais que você tenha likes, visualizações e tudo mais, parece que você precisa estar na cidade para conseguir algo. Temos coletivos incríveis do norte ao sul do Brasil, e acho que as pessoas precisam sair da bolha. É de certa forma até inspirador, porque a gente se vira com o que tem, e nós não temos patrocinadores apoiando os projetos, então acho que quando vemos pessoas fazendo o mesmo corre que o nosso com os recursos que tem, é motivador.

Share