Coletivos do Brasil: Gop Tun

Atuando há onze anos, o coletivo paulistano Gop Tun, comandado por Gui Scott, Nascii, Tyv e Caio T, se estabeleceu como referência dentro da cena nacional e representante honorário do Brasil mundo afora.

Com line-ups surpreendentes em seus eventos, somado a um arsenal único em seu selo musical, a Gop Tun fomenta a cena musical incisivamente. Desde o início, a Gop Tun é movida pela paixão pela música e a vontade de compartilhar a curadoria excelente dos integrantes, através de eventos com diversos convidados.

O coletivo foi responsável pelas duas edições do Dekmantel, festival holandês, em São Paulo, consagrando-se no cenário internacional por excelência na execução dos eventos. Desde a retomada dos eventos após a pandemia, produziram duas edições de seu festival homônimo, o Gop Tun Festival, trazendo grandes nomes dos cenários global e local.

Criaram também o festival Não Existe, onde as vertentes mais experimentais da música ganharam espaço. Sua primeira edição ocorreu online durante a pandemia e conquistou o público por meio de sua surpreendente curadoria. Em 2022, o Não Existe teve sua primeira edição presencial e foi um grande sucesso.

Tivemos a oportunidade de conversar com Caio T sobre a trajetória da Gop Tun e os planos futuros. Confira:

WiR: Conte um pouco como começou o coletivo.

Caio T: A Gop Tun começou há mais ou menos uns 13 anos, na realidade. Nós tínhamos um grupo no Facebook para troca de informação e música. Fazíamos reviews de festas e baladas que a gente ia, dos DJ sets que a gente escutava e trocávamos músicas também. Nessa época, o grupo devia ter umas 10 ou 12 pessoas

Durante uns dois anos a Gop existiu só dentro desse grupo, que era basicamente um espaço de troca. Até que resolvemos levar o grupo para fora do espaço do Facebook. Então começamos a fazer nossas primeiras festas, que aconteciam sempre em lugares que topavam nos receber para uma noite de som.

Então começamos a fazer festas em bares de São Paulo. Mesmo nessa época, já tentávamos trazer um pessoal de fora. Já havíamos essa ideia de convidar alguém de fora para vir para o Brasil, dar um role e tocar; alguém que estivesse disposto. Tocávamos junto com esses convidados e convidados daqui também. Então a Gop começou com um número muito maior de pessoas em um grupo fechado do Facebook com mais pessoas e aos poucos fomos saindo do Facebook, abrimos uma fanpage e começamos nossos eventos.

WiR: O que motivou a criação do coletivo?

CT: Eu acho que nessa época, todo mundo que fazia parte desse grupo se arriscava como DJ. Ninguém era DJ profissional mas todos eram entusiastas. A gente frequentava festas, clubs e eventos, que tocavam o tipo de música que a gente gostava. Acho que isso, de certa maneira, acabou ajudando a moldar um pouco o que foi nossa formação como DJ.

Tem até uma história engraçada. O Nascii conheceu o Gui pelo Soulseek, um software para encontrar música. Eles trocavam ideia por lá em inglês, porque os dois não sabiam que ambos eram brasileiros.

Eu conheci o Bruno (Tyv) quando estava procurando uns sets pelo Soundcloud, até que encontrei uns sets com músicas que eu gostava e mandei uma mensagem para ele no Facebook falando para nos conhecermos pessoalmente.

Mas acho que a motivação principal foi que todo mundo sempre foi apaixonado por música. Estávamos em um momento em que já tínhamos opiniões formadas, mas também em um momento de descoberta, vendo uma nova cena se formando. Naquela época, lembro que a cena era muito mais focada em club do que em festa e eu acho que o que motivou a gente a sair foi o fato de que não tínhamos oportunidade de tocar os sons que a gente curte nos lugares que já existiam. Então resolvemos começar a tentar por conta própria.

Resolvemos levar nosso conteúdo, que já era muito rico com a nossa troca, para fora (do grupo), para que o público pudesse acompanhar. A partir daí, começamos a tentar correr atrás, na cara de pau, propondo para clubs e eventos da gente tentar fazer uma Gop. Naquela época já se chamava Gop Tun.

Acho que o Bar Secreto foi o lugar que recebeu nossa primeira festa. Também teve o Squat, que já não existe faz muitos anos aqui em São Paulo, que fizemos uma outra festa. Então basicamente a gente ficava tentando convencer donos de bar a colocarem uma CDJ para a gente fazer um som e começar a fazer nossos rolês. E o que motivou foi justamente isso, de não ter espaço nos rolês que já existiam.

WiR: Quais são os principais desafios na execução do projeto?

CT: Eu acho que quando estamos falando de fazer algo para o nicho que fazemos hoje, temos plena consciência de que é um nicho não muito grande A gente sabe que essa cena da qual fazemos parte ganhou muito corpo e tamanho nos últimos anos, mas na época que começamos não era assim.

Então quando começamos a fazer os eventos lá trás, nunca pensamos em trazer um DJ que fosse conhecido do grande público para tocar nas nossas festas. Alguns DJs a gente conheceu por conta de uma faixa que ele tocou e a gente falou “nossa, muito bom esse produtor” e a gente virava fã do cara por conta de uma faixa dele. E a partir daí, a gente passava a seguir e tentávamos nos aproximar.

No começo da Gop, demoramos umas 06 ou 07 festas para conseguirmos trazer um artista mais conhecido no nicho. Até então, trazíamos artistas e DJs que não eram nada conhecidos, e acho que o maior desafio era sempre tentar explicar e convencer o público do porquê ir no evento e pagar um ingresso para ouvir um cara que eles nunca tinham ouvido falar antes.

Hoje, isso é até um pouco mais comum, as pessoas valorizam artistas novos nos line-ups. Mas naquela época não era o caso, termos artistas quase que 100% desconhecidos vindo tocar aqui, tendo produtores dispostos a trazerem estes artistas, mesmo sem ter muito alcance, e o público aderindo a isso e acreditando.

Acho que a partir daí a comunicação da Gop nasceu, de forma super criativa. Foi a partir disso que a gente decidiu criar materiais e conteúdos que pudessem engajar o público e fossem diferentes da forma como todo mundo costumava promover seus eventos. A gente fazia vídeos, uma propaganda, e também criávamos textos para explicar o que aquele artista tocava e porque era importante ver aquele artista. Acho que este tenha sido o principal desafio no começo.

Agora, os desafios outros. Queremos elevar o patamar da festa, com a experiência e o serviço que oferecemos ao nosso público, sabendo que temos um alcance limitado por conta do nicho que abordamos, que é diferente do alcance de eventos mainstream.

WiR: Como cada membro agregou para trazer esse plano para a vida real?

CT: Nós temos papéis bem definidos no que diz respeito ao que cada um faz dentro da Gop, já fazem alguns anos. Quando os eventos começaram a crescer, sentimos a necessidade de se dividir, cada um ser dono de uma caixinha e cuidar dela.

Eu cuido de tudo que envolve comunicação da Gop Tun. Tudo que rola nas redes sociais, entre campanhas e conteúdos, e a parte de relações públicas também fica comigo. Também me envolvo na parte de marcas parceiras, escolhendo as parceiras dentro das nossas festas, um pouco dessa área comercial digamos.

O Nascii cuida da parte de bookings. Ele que faz todos os bookings para artistas da Gop Tun, não só daqui, mas também internacionais. Ele também acaba fazendo um pouco da parte administrativa. Já o Tyv e o Gui ficam mais na parte de produção, direção criativa e cenografia e tudo que envolve a produção disso dentro dos nossos eventos.

Claro que temos uma estrutura maior embaixo disso, mas a grosso modo, é assim que nos dividimos. No começo a gente não sabia como nos dividir, as coisas foram se desenvolvendo e foi uma necessidade natural a gente se dividir para conseguirmos fazer tudo.

WiR: Quais foram os momentos mais marcantes da vida do coletivo?

CT: Foram muitos! A primeira festa que fizemos por conta própria. No começo, a gente tocava em bares de São Paulo que tinham CDJ e que a gente convencia o dono a deixar a gente fazer um som e levar uma galera. Então tivemos um momento em que decidimos fazer nossa primeira festa independente. Falamos desde alugar um lugar, fazer a produção desse lugar, alugar o som, fechar equipe de bar e fazer toda a promoção, ser responsável por vender os ingressos etc. Fazer o que fazemos hoje. Acho que esse momento, mais ou menos depois de um ano de estarmos fazendo eventos em lugares prontos, foi um desses momentos.

Acredito que nossa primeira turnê europeia, em 2016, que rendeu até um documentário nosso. Viajamos a Europa de carro e conhecemos muita gente, muitos artistas, muitos promoters e acho que isso com certeza também foi um momento super marcante.

Dekmantel com certeza. Foi um momento que foi um divisor de águas na história da Gop Tun, tanto no que diz respeito ao alcance que o selo da Gop conquistou em termos de proporção nacional, mas também como aprendizado que a gente teve em termo de produção em dar esse próximo passo, que é fazer um festival que é bem diferente de produzir uma festa.

Acho que mais recentemente teve a primeira edição do Xama, que foi uma reunião de coletivos e artistas do Brasil inteiro que veio com essa proposta de valorizar o que é a cena independente, que com certeza foi um desses momentos.

E acho que o mais recente de todos foi a primeira edição do Gop Tun Festival, no ano passado.

WiR: Metas com o coletivo (quais artistas querem trazer, quais eventos querem produzir)?

CT: Nãi sei se eu chamaria de meta, mas temos um planejamento muito detalhado do que gostaríamos de fazer naquele ano. Então chega no final do ano, a gente senta e tenta desenhar o que seria o próximo ano ideal, pensamos em um calendário de eventos para o próximo ano. Acho que é bem comum entre produtores de festa tentarem se planejar com um ano de antecedência, até para que as datas não se cruzem e as festas não caiam no mesmo dia. Então acho que a nossa meta é entregar o calendário que a gente se dispôs a fazer um ano antes, e fazer com que isso funcione diante de todos os pontos de vista.

Um grande sonho nosso era tirar do papel o projeto do primeiro Gop Tun Festival, o que aconteceu ano passado, e principalmente fazer com que esse seja o projeto foco da Gop Tun, e que de forma sustentável ele cresça nos próximos anos, nos permitindo trazer artistas que só virão pra cá se a gente realmente tiver uma audiência um pouco maior.

Mas acho que ao mesmo tempo que temos o festival, que é algo que vai se manter nos próximos anos e a ideia é que haja um crescimento sustentável, a gente é muito inquieto. Todo ano a gente pensa em novos projetos!

Ano retrasado, por exemplo, fizemos o festival Não Existe, que aconteceu no meio da pandemia, com a mentalidade de fazer o máximo possível dentro das nossas possibilidades. Então fizemos a primeira edição que foi um stream da Oca do Ibirapuera e ano passado fizemos a primeira edição dele presencial, com público. Este ano, provavelmente, vamos fazer uma evolução deste projeto, que é mais novo.

Tivemos outros projetos que aconteceram nos últimos anos, como showcases da Gop Tun, em que levamos a experiência da Gop para outros estados, em parcerias com outros promoters que também produzem eventos, assim como a gente, nas suas cidades.

Também temos uma lista de artistas que são sonhamos em trazer. Mas acho que no geral, tentamos não nos prender muito a esse lance de metas. Tentamos deixar as coisas acontecer de forma mais natural e orgânica.

WiR: Coletivos referências dentro da cena?

CT: Acho que quando olhamos a cena da qual fazemos parte hoje, houveram muitas pessoas que começaram a tentar fazer isso quando nada existia, não só em São Paulo, mas também em outras cidades. Em São Paulo tem uma cena que veio junto com a galera da Voodoo Hop, que desencadeou uma cena artística que é muito interessante de ver a construção, com toda a paixão em cima da música. É muito legal ver que muitas festas e coletivos mantém um pouco do que é essa ideia.

No Rio de Janeiro, por exemplo, tem a galera da Moo, que veio lá de trás. Fizemos muitas festas juntos no RJ muitos anos atrás. Que também desbravou isso de uma maneira super genuína, focada no que é a paixão mesmo.

Acho que também temos inúmero artistas que ajudaram a moldar o que é a cena atual. Márcio Vermelho, Paulo Tessuto, o pessoal da Selvagem; tem muita gente que, junto com a gente, começou a desenrolar o movimento que se desencadeou e virou o que é hoje, colocando de fato nossa cena no mapa global. O mundo presta atenção nas coisas que acontecem aqui hoje. É um lugar de desejo dos artistas, querer tocar e estar aqui.

Muita coisa que aconteceu, muitas pessoas e muitos movimentos que vieram antes da gente que nos influenciaram e desencadearam esse movimento que temos hoje.

WiR: Como vocês percebem a cena nacional?

CT: Acho que depois de tanto tempo fazendo o que a gente faz, viajando não só dentro do Brasil, mas também fora, e conhecendo outras cenas e rolês; posso afirmar categoricamente que nada se compara ao que temos aqui em termos de cena. E isso é uma coisa da qual devemos nos orgulhar muito!

Foi uma construção extremamente genuína, com engajamento absurdo do público. Lembro que a 5 ou 6 anos atrás, tinham umas 2 ou 3 festas no mesmo dia para 3.000 pessoas acontecendo dentro da cidade. Hoje em dia é um pouco mais complicado, mas na época você via 2 ou 3 festas grandes com a mesma proposta e o mesmo direcionamento musical e todas lotadas.

Foi um movimento muito grande e genuíno e, no final das contas, o que temos aqui é único! A variedade de público que frequenta os eventos que acontecem aqui, o engajamento e a energia desse público; o cuidado que todo mundo em trazer a melhor experiência para o público. Isso é algo raríssimo de se encontrar e quando colocamos num balaio todas as características da cena daqui, eu posso afirmar com certeza que nada no mundo se compara! Não enxergo hoje uma cena que seja melhor que a daqui.

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