Entrevista: Joseph Ray dos holofotes mundiais à capital cultural do Haiti

Do drum’n’bass ao melodic house, Joseph Ray, é um exemplo de produtor que se destaca por sua pluralidade musical. Veterano na cena, seus hits de drum’n’bass abriram as portas para sua notória ascensão ao redor do globo como parte do lendário trio Nero, lhe rendendo uma grande bagagem de conhecimentos e realizações.

Em seu projeto solo, o produtor britânico diminui os bpm’s e entrega faixas assinadas por grandes selos como Big Beat Records e Anjunadeep. Seus sets com ricas seleções musicais são um reflexo de sua vasta experiência cultural. Sua relevância se estende para além dos grandes holofotes, responsável por ministrar um curso de produção musical, como voluntário, em Jacmel, ele passa adiante seus conhecimentos na única escola de produção musical e engenharia de áudio do Haiti, o Artist’s Institute. Tivemos o prazer de conversar com Joseph e ele compartilha conosco um pouco de suas experiências pessoais e futuros projetos na entrevista a seguir.

Você é muito conectado com a música, coleciona prêmios que vão de Grammys a Beatport Awards, altas posições na Billboard, participações na BBC Radio 1 e até trilhas sonoras de filmes como The Great Gatsby, por meio do projeto NERO. Como começou sua conexão com a música eletrônica? Quem foram suas referências no início e como estão agora?

Joseph Ray: “Eu gostava muito mais de rock quando era mais jovem – Nirvana, Oasis, Deftones etc. mas entrei no jazz também, e depois na Ninja Tune Records, que cruzou muito o jazz com a música eletrônica. Então comecei a pegar trechos de discos de jazz, mas não dava certo. Eu fui ao Fabric uma noite e vi James Lavelle, Grooverider e Goldie tocar, e fiquei viciado – drum’n’bass foi minha porta de entrada para música eletrônica. Hoje em dia ouço de tudo, mas ainda adoro gente que produz como a Ninja Tune.”

Podemos ver uma diversidade de sons em seus lançamentos e sets. É notável sua capacidade de integrar com sucesso diferentes vertentes. Você já tinha em mente o gênero que gostaria de “seguir” em seu projeto solo ou está apenas seguindo seus sentimentos? Como é o seu processo criativo?

Joseph Ray: “Sim, eu apenas sigo meus sentimentos e inspiração. Provavelmente seria melhor em alguns aspectos se eu seguisse um estilo / ritmo, mas eu amo música eletrônica em geral e não posso deixar de querer experimentar o que estou sentindo naquele momento. Meu processo criativo varia muito, às vezes começa com um loop de bateria, às vezes com um sample, e às vezes uma melodia simplesmente surge na minha cabeça (gostaria que isso acontecesse com mais frequência …).”

Em 2015, você se ofereceu para ministrar um curso de produção musical no Instituto de Artistas em Jacmel. Que impacto sua passagem pelo Haiti teve em sua vida pessoal e carreira? Você pode nos contar um pouco sobre essa experiência?

Joseph Ray: Aprendi muito durante minha estada no Haiti, com certeza. Eu ouvi bateria africana em disco, mas quando você a ouve e vê ao vivo, especialmente em uma cerimônia, você percebe o quão incrível é. A bateria e a música haitiana estão intimamente ligadas às suas raízes na África Ocidental. Eles cruzam tempos e polirritmos, tocando 3/4 em cima de 4/4, tocam por horas mantendo uma intensidade incrível, então esses belos cantos por cima. Cada ritmo tem um lugar diferente na cerimônia e tem um papel e um impacto diferentes. Meu tempo lá definitivamente abriu meus olhos e ouvidos para uma cultura totalmente diferente e uma maneira de pensar sobre música, e me fez perceber o quão estreito meu foco tinha sido.”

Você lançou faixas pela Anjunadeep e está prestes a lançar o álbum Leave The Bones, que é um projeto incrível feito com a banda haitiana Lakou Mizik. É um álbum com enorme riqueza cultural, então o que podemos esperar desse lançamento?

Joseph Ray: “Foi ótimo trabalhar com LakouMizik, eles têm uma biblioteca de músicas em suas cabeças e são cantores incríveis. A ideia era cruzar o som deles com o meu e dar às suas músicas um toque mais cinematográfico, sobrepondo cordas e pads sob os cantos. Eu estiquei o som de alguém soprando uma concha para fazer sons de pad de sintetizador. Eu também estava imaginando a maioria das faixas para uma pista de dança, obviamente, então tentei estruturá-las de uma forma que funcionasse para isso. Então acabamos com um álbum híbrido autêntico que demorou uma eternidade para terminar porque é meio diferente..!”

Joseph Ray e a banda haitiana Lakou Mizik

Ogou (Pran Ka Mwen) saiu na compilação Anjunadeep 12 e fará parte do seu novo álbum. É uma faixa poderosa que nos envolve de maneira única e emocional. A faixa possui um videoclipe, que já está disponível no youtube, e retrata a tradicional festa haitiana ‘Kanaval’. É uma obra de arte em formato de conteúdo audiovisual. Você pode nos contar um pouco mais sobre essa faixa?

Joseph Ray: “O canto é um antigo canto vodu haitiano sobre o deus Ogou, que é o deus da guerra e do metal. Um dos membros da banda LakouMizik cantou um dia no estúdio e eu imediatamente disse “o que é isso? Isso é lindo”. As pessoas de lá conhecem todos esses cantos e são todos incríveis. Em seguida, filmamos o vídeo em Kanaval em Jacmel, uma cidade no litoral. É uma cena diferente, nós seguimos pai e filho enquanto eles se preparavam para o dia e saíam para a ‘loucura’ do Kanaval. É meio que um reflexo da letra, indo para a multidão e se unindo a ela.”

Nos últimos anos, pudemos acompanhar uma grande reação social contra o racismo e a xenofobia. Como você vê a importância dos artistas se posicionarem publicamente, dando voz a causas sociais importantes?

Joseph Ray: “Acho que o melhor a se fazer é continuar colaborando, tocando e contratando artistas de diversos lugares. Música naturalmente une as pessoas, deixe-a fazer sua mágica.”

Em maio deste ano, você lançou um Sunset Mix de 2 horas gravado na bela Joshua Tree. É um set que possui uma rica seleção musical onde podemos ouvir Pink Floyd, ritmos africanos e até nomes brasileiros como Blancah e Vini Pistori. Você já esteve no Brasil? Você tem interesse em colaborar com algum artista brasileiro?

Joseph Ray: “Eu estive – estive em São Paulo algumas vezes, no Rio uma vez e fui para o norte quando escalei o Monte Roraima. Amo lá, quero voltar .. Na verdade, escrevi uma faixa com uma cantora paulista chamada Lia Paris, espero terminar logo. Eu adoraria colaborar com mais artistas também.”

Estamos cada vez mais perto do fim da pandemia COVID-19 e estamos ansiosos para voltar à vida normal, principalmente para as pistas de dança. Como você tem usado seu tempo durante a pandemia? Quais são seus planos futuros?

Joseph Ray: “Tenho aprendido a surfar, tenho escrito muitas músicas e tenho consultado para uma startup de terapia psicodélica. Meus planos são viajar e ser DJ o máximo possível!”

Gostaria de agradecer a oportunidade desta entrevista. Você é uma grande referência de produção musical, teria alguma dica que gostaria de compartilhar com novos produtores?

Joseph Ray: “Eu diria apenas para seguir seus instintos, se algo soa bem para você, continue, e não tente adivinhar o que o público vai gostar. Se você gosta, outras pessoas vão.”

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